domingo, setembro 24, 2006

Baile divino...



Aparecem com desejo de dançar.. Muitas olham-nas de lado como que de esguelha para um grupo de mendigos.
Mas vêm do céu, são mandadas de cima e nada mais querem senão dançar para todos. Caem de todas as maneiras e formas, pequenas ou grandes, finas ou grossas, rápido ou furiosamente atingem o solo ou quem tiver a sorte de com elas ser atingido. São carregadas pelo vento, como cria a ser levada a colo para o seu destino, no percurso da sua vida, pela sua mãe. Efectivamente, é a sua mãe que quer que as vejam dançar...é a sua mãe que as traz para serem vistas por todos.
É a nuvem do céu e suas soltas lágrimas de consolação, de ablação, para o mundo. Eu, ouço o seu chamamento à atenção. Perto, só eu o correspondo, por curiosidade; não por ignorar que se passa, mas esperando uma novidade nessa dança, apesar de, à partida, ser sempre igual. Vou buscar o meu guarda-chuva, como que não querendo ser purificado, como que mal agradecido por estar nesta dadiva do mundo. Vou para a varanda do meu quarto, com o meu cigarro na mão, e abro a porta. Uma lufada de ar refresca-me a alma. Acendo o cigarro, abro o guarda-chuva e saio porta fora. O som da chuva a lamentar irada batendo contra o chão, o cheiro que porporciona à sua mãe-terra - um cheiro de beleza incontrolavel, um cheiro hipnotico, um aroma perfumado, de terra limpa, pela furia das lagrimas -...absolutamente prosaico. Não consigo controlar-me e uma lagrima escorre-me pelos olhos. Nesse momento, uma outra lufada de ar atinge a agua que cai do ceu e a minha cara. As gotas divinas começam a ir contra mim, querendo tirar-me do caminho pra alguma coisa. Ai percebi, que se dirigiam para a janela do meu quarto. Batiam nela, não já com a furia com que batiam no chão, mas com a gentileza de alguem que bat e à porta às três da manhã para não acordar o seu habitante. Só isso já me comoveu, Então, de seguida, começam a escorrer pelo vidro, dançando suavemente pela transparência, deslizando propositadamente devagar, na sua maneira altiva de cair alternativa.
E sorrio....qual coisa mais bela, do que ter à minha janela um recital em movimento, que recusado por outros, "vem dançar só para mim"...
Nuno de Sá Lemos

quarta-feira, setembro 20, 2006


Receio? Medo de quê?!

Medo das pessoas, é esse o meu maior medo. Completamente imprevisiveis, absolutamente premeditantes... Paradoxo das situações que partilhamos com outras pessoas. O contexto em que uma pesso ase tende a inserir terá enorme influência no comportamento da mesma parea connosco. Já não falo de uma possivel variação da toillete, mas uma mudança de humor. Quer dizer, como tal, que teremos todos a tendencia para sermos emocionalmente aleijados, numa expressão técnica que demonstra perfeitamente o que quero conotar com a situação.
Não, seguramente não somos aleijados, nem psico nem fisicamente. Temos aqui um excelente exemplo de uma a resposta fléxivel, expressão utilizada por Kennedy, na Kennedy Round, durante a Guerra-fria. Por palavras mais compreensiveis, se a, no seguimento do exemplo, URSS resolvesse efectuar um ataque aos EUA ou a qualquer outro aliado, este ultimo agrupamento de Nações teria que ter em conta todas as variaveis do contexto e das dimensões em que se deu essa ofensiva. Isto é, responder consoante os estragos.
Ora, nós respondemos ao ambiente consoante a situação em que nos inserimos no momento da decisão. Assim, num baile de gala teremos uma comunicação bastante mais solene para com os convidados, provavelmente, usaremos um fato completo ou vestido de noite, e manteremos a pose durante o evento; já num forró de aldeia, qualquer vestimenta servirá para nos sentirmos bem, qualquer linguagem calão ou pronuncia é bem-vinda, interessando somente se nos estamos a divertir. Aqui temos expressa a maneira como somos maleaveis consoante o espaço em que nos inserimos, ou escolhemos inserir: um espaço serve para nos pavonearmos, digamos; enquanto que noutro estaremos bastante mais libertos para a diversão.
Mas serão poucas as pessoas que conseguem conjugar ambos, e muitas as que aparentam tal capacidade. Aqueles que não suportam um baile de gala só quer sair dali para ir beber uma cerveja a qualquer sitio, outro, com uma tradição de convivio social mais pacato e integro, encolhe-se num canto para que ninguém o reconheça, para que ninguém o incomode ou dirija a palavra, para que ninguém o ameace.

Temos, assim, que escolher uma de duas hipoteses: ou nos habituamos a ambos os ambientes e tentamos estar bem em ambos; ou somos selectivos e picuinhas ao ponto de não ter um verdadeiro convivio com as pessoas. Ou, sejamos condescendentemente divertidos, ou limitemo-nos o meio em que nos inserimos. Como já referi, trata-se de uma selecção de critérios, nada mais...trata-se de uma selecção de pessoas.
O ambiente que nos rodeia é constituido, logicamente por outras pessoas. Pessoas "escolhidas" por nós, e, consequentemente, num dos momentos desagradaveis que retratei, penetras na nossa saúde mental. No último caso, a sanidade da pessoa dependerá da sua força de manter a pose e capacidade de condescendência aceitável.

Treinemo-nos desde cedo, porque são mais os momentos em que estão presentes pessoas que nos "assustam" do que aqueles em que não é necessário grande esforço mental para nos sentirmos bem :)...


Nuno Loureiro

terça-feira, setembro 19, 2006



Ódio por ele? Não...
Se o amei tanto,
Se tanto bem lhe quis no meu passado,
Se o encontrei depois de o ter sonhado,
Se à vida assim roubei todo o encanto...

Que importa se mentiu? E se hoje o pranto
Turva o meu triste olhar, marmorizado,
Olhar de monja, trágico, gelado
Como um soturno e enorme Campo Santo!

Ah! nunca mais amá-lo é já bastante!
Quero senti-lo d’outra, bem distante,
Como se fora meu, calma e serena!

Ódio seria em mim saudade infinda,
Mágoa de o ter perdido, amor ainda.
Ódio por ele? Não... não vale a pena.
Florbela Espanca

quinta-feira, setembro 14, 2006


A vida prega das suas surpresas, como vocês todos já devem, obrigatoriamente constatado. A morte, sim, é certa. O momento em que ela chega tornar-se-á sempre uma autêntica inxógnita, mas nunca nos surpreende, já que tem o trabalho de nos demonstrar a sua solene presença.
Agora, se é, por vezes uma desgradável surpresa, então que podemos fazer? Penso que a mais correcta solução é não nos distrairmos nunca (!), mas, pelo contrário, prepararmo-nos para ela.

É extraordinaramente fácil um dizer estas coisas, mas quando a surpresa nos bate à porta e nós estamos de pijama, é porque não a esperavamos, or else, teriamos mais decentemente preparados para essa visita.
Pois lá está, a graça desta palavra e deste fantástico evento será portanto a porcaria do facto de ser uma surpresa. Agora não podemos prever...mas porquê? É pedir muito, é pedir as mãos de Deus para moldarmos a vida de alguém, a nossa.
Temos que aceitar o facto, por exemplo, de a nossa mulher nos trair, de o nosso sócio fugir com o nosso dinheiro, de o nosso melhor amigo deixar de nos falar de um momento para o outro. É assim a vida, e quando não esperamos a surpresa, mais vale estarmo sempre de smoking, porque a surpresa sempre aparece.
E pronto, não vos estou a dizer nada de novo. A unica surpresa é que eu pensava estar preparado para a surpresa quando ela me apareceu a acordar-me de manhã. Moral da história: dorme sempre de fato!

Que raios.......

Nuno de Sá Lemos

quarta-feira, setembro 13, 2006

amor na escura penumbra...

Imagino-me, vejo-me pegar nas tuas mãos como penas que o bafo de Verão levanta na noite mais quente do ano. Beijo-te o pescoço, com o maior do carinho que alguma vez beijei alguém, e com os lábios acaricio-te suavemente o suave e macio pescoço... sinto um arrepio a percorrer o teu corpo e a passar para o meu....estamos ligados um ao outro.
Passo a mão pela tua cara e sinto os pesarosos momentos da vida nele cravados. Um sorriso teu vem contrariar tudo o que este gesto me disse, mostrando felicidade de alguém que se escondeu do mundo, que refugiou o coração no corpo para que ninguém o pudesse despedaçar. És feliz nesse momento, porque me dás esse prazer de chegar ao teu interior e tocar-te com toda a violência a tua alma. Cravo nela o meu amor por ti, como pintura rupestre levada pelos ventos da história até às civilizações de hoje.
Os teus lábios tremiam. Procurando acalmá-los, ósculo sagrado. bem-dito momento em que Deus criou o beijo, bem-dito momento em que, na sua pureza de ablaçao, consegue uma das suas maiores obras-primas sem nunca sequer ter experimentado a dor de o ver escapar quando termina para sempre. Qual pintor que não vê arte no seu quadro, porque não sente.
Os teus olhos, de um azul de meter inveja a todos os azuis do mar e do céu, são motivo de revoltas entre os Homens. Contorsem-se de raiva quando se apercebem qua a mais bela materialização da espectaluradide da Mulher é-lhes algo interdito de tocar e sentir com o Espírito. Mas eu, nessa noite, brinquei com eles ao brincar contigo. Olhavas para mim mas eu tentava-me distante para te forçar na busca desse contacto, que, sabes (!), me levaria à perdição.
Escapo dessa tentação...mordisco a tua orelha e sinto o teu gemido de não sabes bem porquê. E nesse instante, o teu sangue corre, como morto corre para a vida, como vivo corre para a morte. O teu pulsar torna-se no meu, mais uma vez uno. Então acaricio a tua nuca e digo, solenemente,:
- Boa noite.
...ao que tu respondes num mesmo rasgo de surpresa que toda essa noite seria:
- Boa noite...
Não era de maneira alguma uma despedida...mas a primeira vez que nos conhecemos.

Então a natureza entra numa exuberante vida própria: o vento deixaria de soprar numa tentativa de nos separar, nada nos vai separar; as árvores deixam de bater os galhos, para que as folhas, suas crias, pudessem testemunhar um verdadeiro momento de romance, o nosso romance; as flores e ervas desfolham num orvalho antecipado para refrescar o ar daquele intenso sentimento que se propagou, o amor que sentimos...

Custa-me descrever um momento que só acontecerá na escrita. Mas mais vale senti-lo a arranhar-me, distante, o coração, do que nunca senti-lo...

Nuno de Sá Lemos